quem sabe o que é o Natal?
dos anjos? dos passarinhos? dos sinos? dos azevinhos?
ou de um et coetera e tal
que vem por bem ou por mal em festa do eterno início?
desse início-recomeço festa ao rés do precipício
das passadas que não meço nem se me dá de ser vício
mas que não seja só prendas
daquelas com que pretendas dar sustento ao artifício
eu gosto dela quentinho
com boa mesa – bom vinho – amizades e carinho
e ter no fundo a certeza de que o universo todo
no desconcerto é certinho
muito lamento entretanto que o Homem-do-saco
o tal
sendeiro – bruxo – macaco
que me atormentava tanto em pequeno – vejam lá
ao crescer é o Pai Natal
hipotecando-me em prendas o dia que lá virá
no presépio o burro afoito de tanto correr no emprego
está com as pernas num oito
arfando desassossego
e sorte tem ele
vereis
pois que a ovelha – coitada – sem emprego nem dez reis
deixou no prego os aneis p’ra dar aos filhos consoada
depois de tanto mungida
depois de tão tosquiada
talvez com usurpação
de nome que se daria ao cordeiro do Senhor
um dos tais filhos da dita
que no meio da desdita lá chegou a ser doutor
com Bolonha de permeio
bacharel – licenciado – pós-graduado – mestrado
é hoje uma mais-valia por elevada função
de caixa em supermercado
a vaca palhas rumina e teme a avaliação
que penalize auto-estima
ou que lhe apouque a pensão
mais ao fundo os três reis magos
aos camelos dão afagos aprestando-se à viagem
pois os camelos – coitados – com dois dedos de forragem
cobrem caminhos sem fim sem gasóleo nem portagem
São José
Virgem Maria
trocando olhares entendidos da miséria dia-a-dia
em que se encontram perdidos na busca do que não há
pensarão porque se adia a ida pr’ò Canadá
ou para a Austrália quiçá
na ânsia de um novo dia
que lhes traga a alegria de viver que não há cá
já o Menino Jesus
antevendo milagreiro essa desgraça de truz
de vir a morrer na cruz por ser ele o agnus dei
ou só por ser carpinteiro
pensa com as suas palhinhas na play-station brincando
na perdição das alminhas que se deixam ir tentando
compradas por sucateiro que faz das prendinhas lei
brilhante só a estrela
que brilha e brilha e rebrilha como se o mundo fosse ela
aparece na tv essa magna maravilha
dando o corpo aventureiro em fugaz telenovela
consta até que tem prevista
uma carreira de artista e romance com banqueiro
esse nem está neste enredo
tem um consórcio com o medo – outro com a alta finança
vende presépios a eito – compra armamento sem jeito
sempre em favor da criança (tem lá por casa dois netos…)
importa fatos de treino – carros – pessoas – faiança
negoceia sentimentos – dá de barato os afectos
para cumprir o preceito: «venha a nós o vosso reino»
que mais dia menos dia salvará a economia
que fazer? bradar aos céus?
renas por cá? ora adeus
frango capão – bacalhau – polvo – peru do Natal
estes sim são cá dos meus
rabanadas – aletria – se calhar uma filhó
bem regadas de alegria
em memória de uma avó que sem ela eu nem seria
com um abraço aos amigos que hão-de ficar contentes
e um outro aos inimigos mesmo com ranger de dentes
que bem visto é como os figos
mesmo sem flor dão sementes
quanto ao mais – concidadãos
aprendei a dar as mãos contra o que der e vier
que p’lo Natal sois irmãos
e o Natal sempre vem – disse-o um poeta tão bem
quando algum homem quiser.
Boas Festas e Feliz Natal!
- Jorge Castro
17 de Dezembro de 2009
- Jorge Castro
17 de Dezembro de 2009
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